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domingo, 26 de dezembro de 2010

Ser curioso sempre

Fazer perguntas, interessar-se pela escola, pelas artes, pela ciência, pela vida. A curiosidade é uma poderosa ferramenta para as crianças aprenderem – e ela ganhou ainda mais força com a tecnologia

Cristiane Rogerio e Daniela Tófoli • Fotos Eustáquio Neves

Eustáquio Neves
O radical da palavra curiosidade “cur” significa “por quê?” E é por isso que as perguntas das crianças devem ser levadas a sério, elas são um valioso estímulo à inteligência
Há uma escola nos Estados Unidos, mais precisamente na Califórnia, em que o aprendizado ocorre de forma livre, constante e, sobretudo, sempre entre amigos. A tecnologia está à disposição na mesma medida em que os brinquedos favoritos. O que importa ali é ter ferramentas, conversas e atividades que matem a curiosidade e estimulem a criatividade. Todo o foco está em apresentar novos desafios, em uma série de tentativas e, claro, muitos erros.
Nessa escola não há alunos comuns. As salas de aula estão tomadas pelos melhores animadores do mundo. Estou falando da Universidade Pixar, o centro de aprendizado dos funcionários desse estúdio que, desde a estreia do primeiro Toy Story, simplesmente redefiniu a qualidade das animações para cinema. O segredo desse sucesso, segundo John Lasseter, o chefe executivo dos estúdios, é justamente instigar a curiosidade, pois as ideias criativas podem nascer de qualquer lugar. E ali, para descobrir como algo funciona, vale tanto usar os últimos recursos digitais, como parar tudo e ir ao parque mais próximo. O importante é fazer com que o espírito de menino curioso, tão natural nos espectadores mirins dos filmes, sobreviva naqueles adultos-com-cabeça-de-técnicos. Afinal, você conhece alguma criança que não seja perguntadeira?
E sabe por quê? Perguntar é o meio mais importante de expôr uma curiosidade, de conhecer o novo, de descobrir o outro. Sem vergonha de mostrar o que não sabem, as crianças soltam suas dúvidas aos montes. São os porquês ditos, exemplificados e imaginados, teorias malucas, um pensar constante. Pequenos filósofos, com certeza.
A tecnologia multiplicou isso. Basta um clique e uma curiosidade é sanada. Mas logo surge outra. E outra. Será que essa facilidade deixa a criança com preguiça de procurar respostas? Para a professora Marta Pires Relva, do curso de pós-graduação em neurociência para professores de ensino básico da Universidade Estácio de Sá (RJ), a resposta é não. Também professora no ensino fundamental, ela vê as crianças cada vez mais curiosas e garante que a internet é uma excelente ferramenta. Por isso, não há espaço para resistência, seja por parte dos pais ou dos professores. “Até porque, eles precisam ser os mediadores que a criança necessita na busca por informações.” Independente disso, a neurociência, segundo ela, diz que a exposição à tecnologia acelera o aprendizado. “Crianças expostas desde cedo lidam melhor com os fonemas, por exemplo, já a partir dos 3, 4 anos”, diz Marta, também autora de Neurociência e Transtornos de Aprendizagem (Ed. Wak). Ou seja, permitir o uso do computador, jogos eletrônicos e experimentar “brinquedinhos adultos”, como o iPhone e o iPad, só ajuda. Mas é preciso variar. “Se a criança brinca sempre com o mesmo game, por exemplo, ela desenvolve uma memória padrão e precisa de novos desafios para aprender realmente.”
O jornalista Marcelo Duarte, criador do Guia dos Curiosos, conta que em sua casa as respostas vêm de todas as maneiras. Mas as perguntas também. Os filhos Rodrigo, 18 anos, Beatriz, 15, e Antonio, 4, são, quase como ele, “curiosos profissionais”. “Eles fuçam tudo e estão sempre querendo saber mais. E o importante é não desprezar nada: as grandes perguntas da humanidade vieram de crianças. Um dia, minha filha, começando a aprender as letras, entrou no elevador e perguntou o que significava o ‘PO’. Eu, com 30 e poucos anos de idade, sempre pensei que o PO era de ‘porta’. Depois que respondi isso a ela, resolvi telefonar para uma empresa de elevadores e descobri que não era de porta e sim ‘push to open’! ‘Aperte para abrir’! Claro! Como a criança não tem vergonha, ela simplesmente desvenda grandes mistérios”, brinca Marcelo.

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