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domingo, 26 de dezembro de 2010

Meritocracia

A lição do Mérito

As primeiras experiências brasileiras de premiar os melhores professores em sala de aula começam a dar resultado - e sinalizam um bom caminho para tirar nossos alunos das últimas colocações nos rankings mundiais


Veja

03/03/2010 17:02

Texto
Ronaldo França

Foto: Stock
crianças em aula ao ar livre

"Os estados e municípios que mais avançam são justamente aqueles que estão conseguindo se livrar da velha cultura corporativista e, pouco a pouco, modernizam a gestão de suas redes de ensino", diz Fernando Veloso

Com 98% das crianças na escola, o Brasil já ombreia com os países mais desenvolvidos no indicador da quantidade - mas figura até hoje entre os piores do mundo na qualidade do ensino. Nesse cenário de flagrante atraso, é bem-vinda a notícia de que um conjunto relevante de colégios públicos brasileiros começa a implantar sistemas baseados na meritocracia, princípio que ajudou, décadas atrás, a empurrar países como Coreia do Sul e Finlândia rumo à excelência acadêmica. O conceito se espelha em prática comum no mundo das empresas privadas: nas redes de ensino, a ideia é distinguir, com base em avaliações, as boas das más escolas, provendo incentivos financeiros e perspectivas à carreira para aqueles professores e diretores à frente dos melhores resultados. A adoção de mecanismos simples para premiar os mais eficientes e talentosos profissionais em escolas merece atenção por sinalizar, antes de tudo, uma mudança numa velha mentalidade ainda arraigada na educação brasileira: a de que todos os professores devem ganhar o mesmo e sempre mais - à revelia do mau desempenho em sala de aula e também do que mostram as pesquisas científicas. Uma das mais detalhadas, conduzida pelo economista Eric Hanushek, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, conclui: "Sem meritocracia, não há como atrair as melhores cabeças de um país para a docência".

Na educação, os avanços sempre se dão por um conjunto de inovações e políticas - e não por um único fator. Os especialistas concordam, porém, que a implantação da meritocracia numa centena de municípios brasileiros e em estados como São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco começa a reverter em favor do ensino. Avalia o economista Cláudio Ferraz, à frente de um estudo sobre o assunto no Banco Mundial: "A adoção desse princípio significa uma mudança de cultura tão radical na condução de uma escola que, apesar de recente, não é exagero afirmar que já está beneficiando a sala de aula". Os números mais novos que apontam nessa direção, obtidos por VEJA com exclusividade, vêm de São Paulo, um dos primeiros no país a adotar o bônus nas escolas, em 2008. Segundo o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), ba-sea-do numa prova aplicada aos estudantes, só no último ano 18% dos alunos da 4ª série do ensino fundamental foram alçados, em português, do nível insuficiente para o adequado. Aos 9, eles não conseguiam escrever um bilhete, tampouco compreender o sentido de um texto curto (caso ainda de 22% do total). Em matemática, o grupo dos piores - aquele em que os alunos se paralisam ao tentar resolver um problema envolvendo operações de soma e subtração - encolheu de 39% para 31%. Os últimos dados de Minas Gerais apontam para progresso semelhante na sala de aula (veja os números no quadro).

Bons, porém ainda modestos perto da dimensão do problema a equacionar, os resultados de São Paulo e Minas ajudam a aferir a eficácia de um pacote de boas práticas de gestão que, só agora, passam a ser implantadas em escolas brasileiras. Diz o economista Fernando Ve-loso, especialista em educação: "Os estados e municípios que mais avançam são justamente aqueles que estão conseguindo se livrar da velha cultura corporativista e, pouco a pouco, modernizam a gestão de suas redes de ensino". No conjunto das 180 000 escolas públicas brasileiras, estima-se que 20% delas começam a se organizar de acordo com metas acadê-micas, estabelecidas com base em avaliações, e já são cobradas e premiadas pelo seu bom cumprimento. É um modelo cuja eficácia foi exaustivamente aferida em outros países e, no Brasil, já se faz notar no dia a dia de colégios como o estadual Leon Renault, de Belo Horizonte. "Sinto pela primeira vez como se estivesse chefiando uma equipe de uma grande empresa privada, tal é a obsessão na escola em relação aos resultados", resume a diretora Maria de Lourdes Fassy, 50 anos, na função há quatro.

A lição das escolas brasileiras que se modernizam lança luz ainda para a eficácia em ater-se ao básico - e não sair em busca de soluções mirabolantes. Nesse sentido, a experiência reforça a ideia de que poucas medidas têm tanto impacto na qualidade do ensino quanto a formulação de um bom currículo. Um levantamento com base em dados da Prova Brasil, aplicada em escolas públicas pelo Ministério da Educação (MEC), constata que, quando o professor se ancora em roteiros detalhados sobre o que e como ensinar, as notas sempre sobem. Num país como o Brasil, onde o nível geral dos professores é baixo, um currículo se torna imperativo - mas é ainda coisa rara. Apenas seis dos 27 estados contam com um, e isso é recente. Os efeitos já se fazem sentir, ainda que modestamente. Será preciso esperar mais para colher os frutos de outra frente de iniciativas promissoras, estas voltadas para melhorar o nível dos professores - o principal obstáculo ao avanço brasileiro. Na rede estadual paulista, criou-se uma escola com o propósito de dar reforço a professores recém-aprovados nos concursos. Antes de assumir o posto, eles serão treinados a lidar com situações reais da sala de aula, o que não aprendem na faculdade. Os efeitos podem ser imensos. Ao longo de sua vida útil, um único professor atende cerca de 1 000 alunos. A primeira turma dessa escola de professores em São Paulo contará com 10 000 profissionais, com chances, portanto, de ajudar 10 milhões de crianças.

Desde que o nível do ensino começou a ser medido no Brasil, na década de 90, não houve registro de nenhum avanço relevante. Em certos anos, a qualidade chegou até a cair. É verdade que os números pioraram na medida em que mais gente ingressou na escola, mas esse processo de massificação na sala de aula encerrou-se uma década atrás, e nem por isso o Brasil deixou a rabeira nos rankings internacionais de ensino. Enquanto os americanos fazem hoje conversões de unidades e se saem bem em problemas matemáticos de razoável complexidade, os brasileiros se atrapalham ao ler as horas num relógio e penam com a multiplicação - um atraso gritante. O que pode ajudar a mudar isso é o fato de que, pela primeira vez, se vê razoável consenso quanto à direção do caminho a percorrer, independentemente do matiz ideológico. Na semana passada, a meritocracia na educação, que já foi vista com imensa resistência no governo Lula, foi defendida pelo ministro Fernando Haddad: "Ela não desmerece, mas só valoriza os profissionais". Reconhecer isso é, no mínimo, um bom começo.
Para ler, clique nos itens abaixo:
Na direção certa
Bons princípios de gestão, como a adoção de meritocracia e metas nas escolas, estão ajudando estados como São Paulo e Minas Gerais a dar os primeiros sinais de melhora em sala de aula — algo raro no Brasil. Os números mostram quantos estudantes alcançaram, num único ano, o nível de desempenho considerado adequado (últimos dados disponíveis referentes à 4ª série do ensino fundamental, em português)
O que é o nível adequado?
A criança já consegue escrever e interpretar textos simples, formula hipóteses, hierarquiza as informações segundo seu grau de importância e distingue as metáforas.
Porcentual de alunos com o nível adequado:
São Paulo 2008 - 26% 2009 - 32% Aumento de 23% Minas Gerais 2007 - 39% 2008 - 43% Aumento de 10% Brasil 1995 - 39% 1997 - 35,5% 1999 - 25% 2001 - 24% 2003 - 26% 2005 - 27% 2007 - 28% 2009 - 29% Aumento de 3,5%


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